sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Vinho não precisa ser caro para ser bom, diz enólogo

Qual o valor máximo e justo para uma garrafa de vinho? Para o enólogo chileno Marcelo Papa, responsável pela linha Marques de Casa Concha, da vinícola Concha y Toro, a cifra gira em torno de 420 reais. O que vem acima disso, afirma, não costuma dizer respeito à qualidade, mas à marca e ao valor da “exclusividade”.

O especialista, que recentemente fez parte da direção de um projeto que buscava criar um “perfeito” Cabernet Sauvignon, conversou com o site EXAME.com sobre esse e outros assuntos ligados à bebida. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Recentemente, 100 vinhedos chilenos se uniram para fazer um projeto do vinho Cabernet Sauvignon perfeito, dando origem ao chamado “100 Barricas de Chile”. Você ficou sabendo desse trabalho e o que achou?

Eu fui diretor desse projeto. Há uma pessoa que se chama Rafael Prieto, criador da Top Winemakers e um dos que assinaram o Guia de Vinos de Chile por muito tempo. Ele pensou em fazer um vinho em que cada vinícola forneceria um barril de Cabernet Sauvignon e nomeou alguns diretores, eu inclusive, que eram enólogos com mais experiência. Foi muito interessante, porque tive a oportunidade de provar o Chile inteiro para unir em uma garrafa. O primeiro projeto dele foi com apenas 10 vinhos do país, mas este junta toda a indústria de Cabernet Sauvignon, que é a uva mais comum lá. Agora, estão fazendo um rótulo com uvas Carménère.

E o resultado, o vinho é realmente perfeito?

Vinho perfeito não existe. Todo vinho tem algum grau de imperfeição. O interessante deste é que ele cobre todos os vales do Chile. É um pouco como o Casillero del Diablo, também Cabernet Sauvignon, com uvas de muitas zonas do Chile, mas em uma escala mais premium.

O preço divulgado do “100 Barricas de Chile” é de 100 dólares, enquanto há vinhos que custam 20 mil ou 30 mil reais. Existe um preço máximo que pode custar um vinho realmente bom? Até que ponto a qualidade vale no preço de um vinho?

Essa é uma pergunta muito difícil. Porque, tecnicamente, se eu quiser fazer um vinho de melhor qualidade, ele terá um custo maior, mas, muitas vezes, a qualidade, uma boa variedade de uva, em um lugar preciso, não exige um gasto muito grande. É o caso do Marques de Casa Concha. Eu, em termos gerais, não sou muito de acordo com vinhos com nível de preço exageradamente alto porque não há uma justificativa para serem muito mais caros. Há uma expectativa, uma aura em torno de uma garrafa, mas há um limite para essa qualidade.

É possível dizer que preço seria esse máximo, que já garante a qualidade?

Sim, penso que até o preço de um Don Melchor (em torno de 420 reais), ou um pouco mais. Há elementos técnicos que são caros e fazem com que o vinho possa escalar em qualidade, mas, daí para cima, é relativo. É como uma carteira Prada. É a marca. As pessoas estão dispostas a pagar por isso, mas não necessariamente vão encontrar uma qualidade 5, 6 ou 7 vezes superior a um Marques, por exemplo.

Na outra ponta, há também os vinhos extremamente baratos, como o Toro Loco Tempranillo, que foi considerado um dos melhores do mundo em um teste cego, não custa nem 4 libras, e chegou ao Brasil por 25 reais. É raro ter um vinho bom nesse preço?

É raro, mas ocorre. Porque, se você faz uma degustação às cegas, pode encontrar muitas surpresas. O vinho Marques de Casa Concha foi premiado na Inglaterra como o melhor Chardonnay de menos de 15 libras, pela revista Decanter, que é muito séria. Então estou seguro que é uma garrafa boa. Mas, para dizer que um vinho é realmente bom, ele precisa ter consistência ao longo do tempo. Com relação ao vinho que você me diz, eu não o conheço, mas ele pode ser novo e terá que mostrar sua consistência com o tempo.

Sobre as características de um bom enólogo, seja profissional ou não, o que você consideraria mais importante?

É preciso ter paixão pelo que faz. A paixão é o centro de tudo. O paladar se refina degustando com gente que sabe muito de vinho, que, no começo, o oriente. É importante também degustar muito, sempre a melhor qualidade de garrafa, para gravar melhor dos sabores.

Quando se fala em harmonização, muita gente só pensa em queijos e vinhos. Quais outras comidas vão bem com cada tipo de vinho?

Não sei se no Brasil há cultura de comer ceviche, mas no Chile e no Peru há muito costume de comer esse prato e com Sauvignon Blanc é muito bom. O Chardonnay vai muito bem com lula, polvo, camarão, grelhados ou mariscos ao vapor, que tenham uma textura mais cremosa, e peixes, é claro. O Pinot Noir vai muito bem com tartare e risoto com salmão, atum, franguinho, pato e pratos com funghi. O Merlot e o Carménère harmonizam com carne vermelha, carne branca, massas; são bastante fáceis de harmonizar. O Cabernet é um pouco mais complexo porque é mais forte, então ele precisa ser consumido com carne ou queijo.

Outras bebidas além do vinho estão se elevando de status, como cerveja e até mesmo a cachaça. Isso afeta o mercado de pessoas que apreciam o vinho ou é possível que essas bebidas convivam bem?

Para todas as bebidas há um espaço. Obviamente que creio que, para a comida, não há nada melhor que vinho. Eu tomo muita cerveja, gosto muito, mas a cerveja vai bem sozinha, pois é mais desafiante combiná-la com comida, já que tem muito gás e é mais incômoda. Já o vinho tem sabores que se juntam muito bem com a comida. Cada produto tem um espaço, claramente. Mas quando vem a comida, vinho.
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(FONTE: Exame.com)

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